Definição

Apesar de não haver consenso, pode se definir que uma hérnia abdominal é grande quanto tem mais de 10 cm de afastamento no sentido transverso, ou seja, laterolateral (medida do afastamento dos músculos reto abdominais). A medida no sentido longitudinal, ou seja, crânio-caudal, não tem grande impacto para a correção, portanto é menos relevante. Na grande maioria dos casos, as hérnias grandes ocorrem após cirurgias prévias, ou seja, são hérnias incisionais. Raramente hérnias primárias têm tamanho do defeito acima de 8-10 cm.

As hérnias grandes, por sua dificuldade de correção, também são classificadas como hérnias complexas. Além das grandes hérnias, também são consideradas hérnias complexas: pacientes com tela infectada; pacientes com fístula intestinal ou estoma; pacientes já submetidos a múltiplas tentativas de correções prévias, hérnias junto a estruturas ósseas.

Sintomas

Alguns pacientes com hérnias grandes podem não apresentar qualquer sintoma, entretanto, as principais queixas geralmente são:

  • Desconforto e dor abdominal;
  • Impossibilidade de realizar atividades físicas;
  • Alteração significativa da estética do abdome;
  • Perda da função da parede abdominal para atividades fisiológicas.

Diagnóstico

O diagnóstico é facilmente realizado pelo exame clínico. Entretanto, a tomografia de abdome é considerada fundamental para avaliar com precisão o tamanho do defeito herniário, conteúdo e volume da hérnia, presença de outras hérnias ou fraquezas associadas e planejamento cirúrgico. É importante diferenciar da Diástase do Músculo Reto Abdominal (DMRA), condição em que ocorre um afastamento dos músculos, porém sem que o paciente tenha sido submetido a cirurgia prévia e sem que ocorra a formação de uma anel (buraco) na parede abdominal. A DMRA não está associada à presença de sintomas e não tem risco de complicações.

Indicação cirúrgica

A maioria dos pacientes com hérnias grandes têm indicação cirúrgicas pelos sintomas e limitações causados. Entretanto, o risco de estrangulamento, complicação geralmente temida em pacientes com hérnia, é baixo pelo fato do anel herniário ser grande e, assim, raramente os órgãos abdominais ficam estrangulados.

Centros especializados

As hérnias de maneira geral são tratadas por cirurgiões gerais. Entretanto, em grandes hérnias ou casos complexos, o tratamento em centros especializados é cada vez mais recomendado. Centros de referência geralmente estão mais atualizados, tanto em opções técnicas quanto em tecnologias, o que, associado ao fato de realizarem mais casos e de forma mais frequente, apresentam melhores resultados a curto e longo prazo. Nestes centros, os pacientes são individualizados em relação ao planejamento e etapas do tratamento o que, comprovadamente, aumenta o sucesso da cirurgia e a satisfação dos pacientes.

Importância da participação do paciente

Muitas complicações pós-operatórias podem ocorrer por condições relacionadas aos pacientes e não, necessariamente, pela cirurgia ou técnica cirúrgica realizada. O cirurgião pode utilizar a melhor técnica, com os melhores materiais e tecnologias disponíveis, entretanto, o resultado pós-operatório pode não ser o esperado, especialmente se o paciente não participar do tratamento.

  • Tabagismo: o hábito de fumar, além dos diversos impactos negativos à saúde do paciente, piora significativamente a capacidade de cicatrização (que é um dos pontos fundamentais para pacientes operados por hérnia abdominal). Tabagistas têm aproximadamente 2 vezes mais riscos de infeção pós-operatória e 2 vezes mais riscos de recidiva da hérnia. Parar de fumar por, pelo menos, 4 semanas antes da cirurgia é essencial para melhorar os resultados. Pacientes que cessam o tabagismo desta forma diminuem o risco de complicações em 45% quando comparados aos pacientes que não tomam esta atitude.
  • Obesidade: o aumento da pressão intra-abdominal excessivo que ocorre em pacientes obesos é o principal fator associado a recidiva da hérnia. A perda de peso é recomendada para todos pacientes com obesidade.
  • Diabete: pacientes diabéticos têm de 2 a 3 vezes mais riscos de infecção da ferida operatória. Este risco é diminuindo em pacientes com adequado controle glicêmico.

Outros fatores como desnutrição, infecções e doenças crônicas também devem ser adequadamente avaliados.

Em nosso centro, pacientes que não param o tabagismo, que não reduzem o peso (em casos de obesidade), que não controlam o diabetes ou que estão desnutridos, não são operados. Da mesma forma que nos comprometemos em fazer o melhor para os pacientes, eles precisam se engajar e dar sua contribuição para o melhor resultado pós-operatório.

Planejamento pré-operatório

As principais etapas antes da cirurgia em si, principalmente em pacientes com hérnias grandes ou complexas, são:

  • Tomografia de abdome: a tomografia de abdome é essencial para avaliar o tamanho do defeito herniário, o volume do conteúdo herniado, a musculatura da parede abdominal, hérnias ou defeitos associados.
  • Pneumoperitônio Progressivo: descrito há muito anos, está novamente em evidência pelos benefícios trazidos ao tratamento. É introduzido um cateter no abdome do paciente pelo qual é insuflado ar ambiente no interior da cavidade abdominal. Os efeitos do pneumoperitônio são: distender os músculos do abdome aumentando a cavidade, o que facilita a reintrodução do conteúdo herniário e fechamento da hérnia com menor tensão; diminuir as aderências intra-abdominais; melhorar a capacidade respiratória dos pacientes. Geralmente é realizado por 7-10 dias.
  • Aplicação de Toxina Botulínica: a mais recente inovação no tratamento das grandes hérnias abdominais é a aplicação de toxina botulínica na parede abdominal, mais precisamente nos músculos laterais do abdome (são 3 músculos que, quando contraem, exercem efeito contra o fechamento da hérnia). O efeito da toxina botulínica é promover o relaxamento da musculatura, o que acarreta diminuição do tamanho da hérnia e maior complacência (flacidez) dos músculos laterais do abdome. Estes dois efeitos tanto facilitam o fechamento da hérnia quanto diminuem a tensão do fechamento durante e após a cirurgia. A toxina é aplicada de 3 a 5 pontos em cada lado do abdome. O efeito máximo ocorre após 2 semanas após aplicação. Pacientes geralmente são submetidos a cirurgia entre 3 e 4 semanas após.

Cirurgia

Em geral, as grandes hérnias abdominais são tratadas por cirurgia convencional, ou seja, aberta (por corte). É verdade que avanços recentes nas técnicas de cirurgia mini-invasiva têm permitido que alguns casos de hérnias grandes possam ser tratados por estas técnicas. Em especial, a cirurgia robótica tem ferramentas que auxiliam tanto na dissecção quanto na sutura destes grandes defeitos.

O fechamento do defeito por meio de sutura da musculatura associada à colocação de uma tela é a forma tradicional de correção das grandes hérnias. A liberação das aderências é uma etapa importante, especialmente, das alças do intestino delgado.

  • Cirurgia de Separação de Componentes: uma das principais causas de recidiva após o tratamento cirúrgico de uma hérnia é o excesso de tensão no fechamento. Ao se aproximar as bordas musculares que estão distantes 10-15 cm gera-se um excesso de tensão na sutura muscular, que mesmo com a colocação de uma tela, acarreta taxas de recidiva a longo prazo de até 30%-40%. Com objetivo de diminuir esta tensão, algumas medidas têm sido utilizadas no pré-operatório, como perda de peso, pneumoperitônio progressivo e aplicação de toxina botulínica. Com o mesmo objetivo, recentemente foram descritas as técnicas cirúrgicas chamadas de separações de componentes. A musculatura lateral do abdome é composta de 3 músculos que quando contraem exercem força contra o fechamento da hérnia. Na cirurgia é realizada a separação e secção de um destes músculos, diminuindo a resistência contra o fechamento da hérnia.
  • Separação Anterior: nesta técnica, o músculo oblíquo externo é seccionado. É uma técnica “mais simples”, entretanto, é necessário um grande descolamento de pele e tecido subcutâneo que aumenta o risco de complicações de ferida operatória.
  • Separação Posterior: nesta técnica, o músculo transverso do abdome é separado e seccionado. Apesar de ser considerada tecnicamente mais difícil esta técnica tem sido preferida por estar associada a menores índices de complicações.

Estas cirurgias são consideradas de grande porte ou complexidade. O risco de complicações (recidiva da hérnia, complicações de ferida cirúrgica) também é maior quando comparado a pacientes com hérnias pequenas. A recuperação tende a ser mais lenta e os cuidados no pós-operatório mais rigorosos. A participação de cirurgiões experientes neste tipo de casos é fundamental para melhorar os resultados pós-operatórios e mesmo o manejo das complicações.

É importante ressaltar que a avaliação individualizada de cada paciente vai definir quais etapas do planejamento são necessárias e qual técnica cirúrgica é mais apropriada para cada caso.

Cirurgia Robótica

Nestes casos, de hérnias grandes/complexas, geralmente as cirurgias são realizadas pelas técnicas ditas “convencionais” ou pelo corte. A cirurgia laparoscópica tem muitas limitações nestes casos e raramente é utilizada pela alta dificuldade técnica. Mais recentemente, alguns autores têm empregado a tecnologia robótica para realizar casos de hérnias grandes/complexas mantendo os princípios de uma cirurgia minimamente invasiva. É verdade que existem potenciais vantagens como evitar uma grande incisão (corte) diminuindo assim o risco de complicações de ferida operatória, diminui o risco de complicações infecciosas e permite uma recuperação pós-operatória mais rápida. Entretanto é importante enfatizar que estes procedimentos são considerados de alta complexidade e podem necessitar conversão para a cirurgia convencional.